O Grupo Escolar de Iraty: a natureza de sua arquitetura e de seus dirigentes (1924-1930)
Duque de Caxias – 1ª década: “Ao lançar luz sobre o passado, a História nos convida a reviver a memória do legado educacional dos primeiros educadores da região”
Por Augusto Borges, Cibeli Grochoski e Wallas Jefferson de Lima
As bases do então “Grupo Escolar de Iraty” remontam à Primeira República
(1889-1929). A região Centro-Sul do Paraná, cuja prevalência das economias ervateira e
madeireira atraía crescente número de imigrantes, acelerou seu ritmo de crescimento. Neste
momento, a cidade passa a ter destaque na economia paranaense por tratar-se de uma região
geograficamente estratégica, com relativa proximidade da capital. A linha férrea e suas
estações, posicionavam-na, ainda, perto de Guarapuava, outro polo de destaque no setor
madeireiro. Outro fator a ser mencionado é que Iraty oferecia também quantidade
significativa de ervais nativos e, sobretudo, abundância de matas de araucária e imbuia,
madeiras nobres e de grande valor comercial. O perímetro urbano da cidade ainda não tinha
uma definição bem acentuada, mas sabemos que o eixo urbano iratiense expandiu-se no
início do século XX com a chegada da estação ferroviária (próximo à atual Praça da
Bandeira). A cidade na década de 1920 não mais se limitava a “Covalzinho”, já chamado
nessa época de “Irati Velha”. Algumas áreas de chácaras e potreiros resistiam nas
proximidades do Grupo Escolar de Iraty e a pavimentação de ruas (quando haviam) ainda era
de cascalho. O contingente populacional urbano não chegava neste momento a 5 mil
habitantes; as coisas começaram a mudar apenas com a chegada da década de 1930 quando,
gradativamente, a expansão de perímetro urbano começa a se anunciar.
A chegada dos imigrantes traz desafios. A educação torna-se um problema. 1924, ano
da fundação do grupo escolar, foi basilar: “Iraty” havia completado seu 17º aniversário e,
segundo o censo do IBGE, realizado em 1º setembro de 1920, a cidade contava com apenas
13.442 habitantes, sendo 10.226 brasileiros e 3.196 estrangeiros. Para se diferenciar do
período Imperial, caracterizado pelo analfabetismo social crônico, a República então nascente
passa a enfrentar o desafio da instrução das populações rurais, vilas, cidades e rincões do
Brasil. Iraty não está longe dessa questão. Em que pese a política coronelista vigente,
manifesta-se entre nós as primeiras ideias do Positivismo e do Liberalismo Político.
É razoável supor que o ensino do grupo escolar da cidade ficou marcado pelos
aspectos humanista, liberal e conservador. O Republicanismo estava em alta e o interesse dos
primeiros educadores voltava-se, sobretudo, para o patriotismo e os ideais cívicos. Essa
educação erige-se como imprescindível para o “progresso da nação”, anseio que marcava os
deveres do educador para além dos atos de ler e escrever. Oficina do espírito civilizacional, a
chegada do Grupo Escolar foi vista pelos iratienses daquela época como um recinto sagrado,
local onde o norteamento do caráter e da moral da criança eram aperfeiçoados.
Mas não nos enganemos. Tudo nessa época reveste-se de uma simplicidade sem fim.
A escola ainda era de madeira e, a se acreditar na única planta que sobreviveu (imagem 1), o
seu volume era compacto, contando apenas com um pequeno corredor que dava acesso às
quatro pequenas salas de aula. Ao fundo, contava com outros três compartimentos bem
pequenos: a sala da diretoria, a biblioteca (que também servia como sala dos professores) e
um “vestíbulo”. As janelas, assumindo feições neocoloniais, tinham grande porte e davam ao
conjunto da arquitetura escolar um aspecto “assimétrico” (imagem 2). Esta simplicidade
formal, é claro, opõe-se à monumentalidade que será observada com a construção do novo
edifício durante a era Vargas.
Os critérios arquitetônicos já nasceram insuficientes para identificar o que hoje
denominamos escola. Não havia quadra de esporte, refeitório, cozinha, banheiro e outros
espaços internos de circulação de grupos de estudantes. As fotos do período sugerem pouca
circularidade interna; as áreas de recreação situavam-se nas extremidades do terreno escolar,
de dimensões generosas. A ausência de ruas sem calçamento, energia elétrica, saneamento e
água encanada tornavam o cotidiano um verdadeiro padecimento.
A realidade, tanto dos estudantes quanto dos professores, era duríssima. O senhor
Rosala Garzuze, que nasceu em 1906 e que estudou no Duque, sugere no livro “Irati 100
anos” que a escola não passava de um “barracão”; cadeiras havia, carteiras não. Resulta daí a
constituição de um habitat escolar provisório no seio do qual se deixa amplo espaço às
improvisações. Não havia um sistema escolar, como nos moldes atuais e os princípios
pedagógicos ficavam a cargo de cada educador. A falta de professores habilitados era comum
e as condições de ensino eram bastante precárias. O livro didático praticamente não existia.
No contexto da época, ainda era um objeto caro, restrito apenas aos mestres. Foto do período
também indica que nem todos os estudantes vinham de uniforme, o “guarda-pó” usado ao
menos até a década de 1960, sintoma de que estamos diante de crianças carentes ou de que as
regras de vestimenta podiam ser flexibilizadas (imagem 3).
Cada sala de aula contava com um professor responsável. A organização das carteiras,
imposta a partir de uma hierarquia espacial, separava aluno e professor de forma rígida. Essa
hierarquização racionalista era vista naquela época como necessária: exigia-se que o
educador tivesse rígido controle visual das movimentações da sala de aula. A escola era
concebida a partir de diferenciações classificatórias: os livros de registro e nomeações do
colégio dão conta da existência interna de uma ala “masculina” e uma ala “feminina”,
separação física que condiz com a ideia segregacionista das relações de gênero do período.
Falar de gênero, aliás, é falar de mulheres. Elas foram fundamentais para a
institucionalização do ensino na cidade. Entre 1924 e 1928, o “Grupo Escolar Iraty” esteve
sob a direção da professora Lilia Viana Braga Guimarães que, além de suas responsabilidades
administrativas, também lecionava para o 2º ano. O corpo docente era composto por outras
dedicadas educadoras como Maria Ferrari dos Santos, responsável pelo 1º ano masculino,
Judith Amaral, encarregada do 1º ano feminino e Rosalina Cordeiro de Araújo, que assumia o
3º ano misto. Joana Custódio, por sua vez, desempenhava a função de zeladora.
Um destaque especial vai para Rosalina Cordeiro de Araújo (imagem 4), figura
pioneira da educação em Irati. Nomeada em Curitiba em 26 de novembro de 1900, mudou-se
para Irati em 1903. Devido a sua atuação, recebeu diversas homenagens: uma avenida ganhou
seu nome durante o mandato do prefeito Dr. Ildefonso Zanetti (1963-1969) e, posteriormente,
na gestão de Olavo Anselmo Santini (1980 a 1983), uma praça. Além disso, uma escola na
Vila São João leva seu nome desde 1997. Carinhosamente chamada “Dona Noca”, Rosalina
iniciou sua docência em Irati num depósito de erva-mate próximo à estação ferroviária, em
condições extremamente simples. Em 1908, casou-se com David da Costa Araújo, adotando
o nome Rosalina Cordeiro Araújo. Em 1924 integrou o corpo docente do Grupo Escolar Iraty.
A presença feminina no magistério, como exemplificado por essas professoras, era
notável, sendo as mulheres a maioria no corpo docente do colégio. Contudo, no final do
século XIX e início do XX, as mulheres que seguiram uma carreira profissional enfrentavam
muitas adversidades. O contexto colonialista de séculos anteriores desvalorizava a instrução
feminina, limitando-as às normas sociais rígidas que afastavam-nas dos espaços públicos. Por
isso, muitas famílias optavam por educar suas filhas em casa, com professoras particulares ou
clérigos, oferecendo-lhes um ensino limitado, focado em gramática, aritmética básica e,
principalmente, nas prendas domésticas, preparando-as para casamentos precoces.
Com a chegada da República, o cenário educacional começou a mudar. A escola
passou a ser vista como um espaço de cuidado e moralização, e as professoras eram
entendidas como figuras maternais, responsáveis por guiar e educar as crianças, reforçando a
imagem da mulher como mãe e educadora. Nos primeiros anos republicanos, o aumento das
escolas normais e do ensino primário foi favorecido por melhores condições
socioeconômicas, o que permitiu maior desenvolvimento educacional. Assim, as mulheres
começaram a buscar o magistério para se qualificarem profissionalmente e obterem uma
fonte de sustento, sem depender do casamento. No entanto, as diferenças de gênero ainda
eram gritantes. Embora as mulheres dominassem as salas de aula, os cargos de chefia e
direção costumavam ser ocupados por homens. No caso do Grupo Escolar Iraty, ainda que
Lilia Viana Braga Guimarães tenha sido a primeira a ocupar o cargo de direção, ela foi
sucedida por homens como José Pietrusca, Newton Guimarães e Ercílio Margarida. Essa
divisão reflete o padrão social da época: os homens que ingressavam no magistério aspiravam
a cargos de liderança, enquanto as mulheres permaneciam no ambiente da sala de aula.
Ao lançar luz sobre o passado, a História nos convida a reviver a memória do legado
educacional dos primeiros educadores da região. São memórias que se mesclam, de fato, ao
passado da nossa cidade e, por extensão, do estado do Paraná. Com efeito, o desenvolvimento
do Grupo Escolar de Iraty – mais tarde batizado “Grupo Escolar Duque de Caxias” -,
demonstra que quando se trata de educação estamos diante de um fenômeno essencialmente
histórico.