O “Mistério”

Augusto Borges[1]


Todas as manhãs ele seguia o mesmo ritual. Após acordar e tomar um banho sentava-se na poltrona do pequeno apartamento. Com sua xícara de café observava os transeuntes da avenida principal da cidade em que habitava. A vida de arquivista não era muito agitada, mas um mistério iria acelerar o coração daquele historiador de meia idade.

Saía de casa e, a pé, fazia o seu trajeto. Conhecia todo mundo na rua. Era querido por todos que lhe chamavam carinhosamente de “professor”. Era alto, cabelos grisalhos, um visual que transitava entre o rapaz certinho e o roqueiro insano. O arquivo municipal era seu local de trabalho. Chefiava uma equipe composta por quatro pessoas: uma bibliotecária, um assistente administrativo, um almoxarife e uma estagiária. Conhecia todos os documentos que ali estavam e fazia questão de aprender a respeito de todos que chegavam. As prateleiras eram impecavelmente organizadas.

Naquela sexta-feira, porém, quando chegou ao arquivo antes de todos os outros – como de costume -, encontrou no chão uma pasta caída de uma das prateleiras. Tratava-se de um inquérito sobre um crime estranho que havia acontecido há mais de 50 anos.

Ele o pegou do chão, conferiu o documento e o pôs no lugar. Aquele dia foi agitado e ele nem lembrou do ocorrido. Na segunda-feira, ao chegar no arquivo, a cena se repetiu. O professor era cético. Guardou o documento no local e se pôs a analisar uma pilha de outros documentos que precisavam ser catalogados.

A cena se repetiu na terça, quarta e foi assim até sexta-feira. Seria o universo mandando um sinal àquele pesquisador em sua monotonia? Será que alguém do “outro lado” tentara se comunicar clamando por uma resposta do professor? Essas inquietações tomaram seus pensamentos no final de semana. Eis que em meio a seus devaneios decidiu. Se na segunda-feira o documento estivesse no chão, faria uma leitura minuciosa, talvez até uma pesquisa ou quem sabe um artigo acerca do caso.

E assim aconteceu. Na segunda-feira, ao abrir as portas do arquivo adentrando seu espaço, lá estava a pasta. Caída ao chão. O professor então se entregou à pesquisa. Fez um levantamento histórico. Elucidou os fatos novamente. A história trazia como protagonista um assassino que após uma série de crimes teria se jogado debaixo de um trem e deixado uma carta enigmática. Aparentemente tratava-se de um esquizofrênico. As notícias sobre a pesquisa corriam pela cidade. O professor foi ganhando

notoriedade e tudo o que produzia era lido, debatido e aclamado pelo povo. Sua alma de pesquisador estava ativa. A chama de escritor e conferencista animava-o e dava sentido à sua vida. Foi convidado a dar cursos sobre história, memória e preservação documental em várias regiões do país. Tornou-se uma referência.

Mesmo assim se perguntava: Será que respondi tudo àquilo que fui perguntado?

Com a agitação das pesquisas e palestras os meses passaram rápido. Eis que numa manhã ensolarada de segunda-feira, ao chegar ao arquivo se depara novamente com a pasta. Mais uma vez, ao chão. Comentou, então sobre a estranheza do ocorrido com o assistente, que se dispôs a ajudar a resolver o mistério.

Durante a semana o rapaz trabalhou incansavelmente buscando padrões que se repetissem e eis que tudo se esclareceu. Observando as câmeras de segurança, notou que a referida pasta trancava a saída da toca de um pequeno, mas forte ratinho. Para sair, este pequeno animal empurrava a pasta todas as noites e assim buscava o que comer retornando a sua toca durante a madrugada. Mistério resolvido. O professor se pôs a pensar em suas conjecturas tão distantes da realidade, que, diga-se de passagem, lhe trouxeram uma renovação no trabalho. Sorriu se sentindo o homem mais tolo do mundo. Até hoje ri da sua própria ingenuidade. Mas, que fim levou o rato? Agora é parte da equipe. Trata-se do Senhor Mistério.

[1]      Mestre em História pela Unicentro. Professor na Secretaria de Estado de Educação do Paraná

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